quarta-feira, 20 de novembro de 2019

O discurso do rei, de M. Logue P. Conradi


“ No mês seguinte, o rei expressou a própria reação à crescente admiração por suas habilidades de orador na resposta a uma carta de congratulações do velho amigo Sir Louis Greig. “Foi uma mudança em relação aos velhos tempo em que falar, eu sentia, era o “inferno”, escreveu ele”.1

A monarquia britânica ainda arrebata o coração e a mente de súditos da Rainha Elizabeth II pelo mundo a fora, todavia a ordem natural da sucessão ao trono não deveria conceder esse tão alto privilégio a primogênita do Rei Jorge VI (1895-1952), pois ele era o segundo filho da família. Mas, com a morte do Rei Jorge V (1865-1936) tornou-se chefe da Casa de Windsor o primogênito, Eduardo VII (1894-1972) que exerceu seu papel de monarca por poucos meses.

Lionel Logue
A paixão que levou o Rei Eduardo VII a abdicar ao trono tinha um nome, Wallis Simpson (1896-1996), e a tormenta que preenchia a vida do segundo na linha sucessória era facilmente identificada por todos os súditos: a gagueira. É neste momento que entra em cena uma figura que veio a amenizar o sofrimento do Rei Jorge VI e trazer certa estabilidade aos inúmeros discursos que iria proferir o australiano Lionel Logue (1880-1953).

Logue era um especialista que dedicava-se ao tratamento da voz, o que hoje ficou convencionado na ciência como fonoaudiologia, e logo ao deixar ao Austrália e fixar residência na Inglaterra passou a cuidar do seu paciente mais proeminente, o pai da atual rainha. No livro escrito pelo cineasta Mark Logue, (seu neto) junto ao jornalista Peter Conradi é surpreendente os relatos de gratidão despertados logo após os discursos do Rei pela sua mãe, a Rainha Maria de Teck (1867-1953) e pela sua esposa, a Rainha Isabel de Bowes-Lyon (1900-2002).

A gagueira do futuro Rei da Inglaterra é apontada por Trifanovas:

Durante as sessões em que são trabalhados o relaxamento muscular e o controle respiratório, a gagueira do príncipe Albert traz muito mais do que  uma mera dificuldade de fala. Há todo o lado psicológico, e até mesmo social, por trás dela, desde o modo de criação na infância, considerado  corriqueiro    para  a  educação  formal  entre  os  nobres  da  época  – a  severidade  do  pai,  a  repressão por ser canhoto, o doloroso tratamento de seu joelho, a crueldade de uma babá que preferia seu irmão mais velho e a morte de seu irmão mais novo, príncipe John –, até o peso carregado pela posição que ocupa. Ademais, George  conhece  bem  os  deveres  e  o  ônus  do  ofício  de  ser  rei  e  não  se  considera apto para a função em virtude de sua gagueira.3

Simões ao ler a obra também sentiu a importância da família na superação das dificuldades do Rei Jorge VI: “Várias vezes é descrito no livro o hábito que Elizabeth, a Rainha Mãe, tinha de segurar a mão do marido quando esse se sentia nervoso ao falar em público. Era sua maneira de apoiá-lo e tranquilizá-lo!2
Mark Logue

Numa época em que não havia e-mail, watsapp ou outros meios mais céleres de correspondência, Lionel Logue correspondia-se com o Rei Jorge VI por cartas, e a cada aniversário lhe enviava um livro de presente. Com certeza as inúmeras cartas arquivadas pela família Logue foi fonte de pesquisa decisiva na constituição do livro e do filme sobre esta epopeia britânica.

A família Windsor foi sempre grata ao Sr. Logue pelos seus trabalhos convidando-os sempre para as cerimônias mais importantes no palácio, mas acima de tudo externando a importância do australiano que tornou menos pesado o fardo do Rei Jorge VI. A ética profissional foi outra variável importante na relação paciente e profissional não só pelo status social do monarca, mas pelo alto grau de harmonia que havia entre os dois.

Notas

1 LOGUE, M.; CONRADI, P. O discurso do rei: como um homem salvou a monarquia britânica. Tradução de Sônia de Souza e Celina Portocarrero. Rio de Janeiro: José Olímpio Editora, 2011. p. 183.

2 SIMÕES, A. [livros na telona] o discurso do rei – Mark Logue & Peter Conradi. Disponível em: https://www.minhavidaliteraria.com.br/2011/08/17/livros-na-telona-o-discurso-do-rei-mark-logue-peter-conradi/. Acesso em 20.abr.2019

 

3 TRIFANOVAS, T.R. O discurso do rei: tradução e poder. TradTerm, São Paulo, v.19, novembro/2012, p. 265-288. P. 270.

 


sábado, 5 de outubro de 2019

Caminhos cruzados, de Erico Verissimo

“D. Dodó declara-se a mais insignificante das criaturas que Deus botou no mundo, indigna de desatar as sandálias dos mais humildes... Mas não, senhora! A quem devemos os nossos asilos, as nossas festas de caridade mais bonitas ?... Não senhora!1

A capacidade criativa dos autores é um fenômeno de grande prodigiosidade e reflete a visão de um cenário que lhe traz apego e expressão de um estilo literário. Foi assim que Erico Verissimo escreveu no ano de 1935 sua quarta obra voltada para um público maduro: Caminhos cruzados.

As cenas que permeiam a obra responsável em projetar nacionalmente o escritor gaúcho pode em certa medida ser uma comparação com a vida modesta que marcava o cotidiano do autor naquele período. Oras, Verissimo não pode ser visto como o desempregado João Benévolo que vagueia pela capital gaúcha em busca de trabalho, mas a vida modesta do autor é uma das marcas deste período.

Como foi o processo de criação dos personagens deste livro por Erico, seria uma recordação dos personagens que ele cruzava todos os dias ao seguir à pé para o trabalho na Editora Globo ?

Caminhos cruzados expõe a vida de luxúria de personagens como o empresário Leitão Leria, o sortudo Zé Maria e do comerciante Honorato Madeira, e noutro extremo a vida difícil de D. Eudóxia, João Benévolo e do moribundo Maximiliano. No livro também está presente as aventuras amorosas do jovem Fernando apaixonado por uma prostituta, do coronel Zé Maria e seu filho que caminham na mesma direção dos “prazeres da vida” e expõe as nuances das relações sociais de uma época marcada por transformações na sociedade da capital gaúcha.


Como o livro apresenta diversos personagens fiquei esperando que houvesse uma finalização mais concreta das aventuras dos personagens, mas talvez o autor tenha compreendido que seria difícil concretizar a caminhada num cenário tão heterogêneo como apresentado em Caminhos cruzados.

REFERÊNCIAS

1 VERISSIMO, E. Caminhos cruzados. São Paulo: Claroeniga, 2010. p. 185.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

No coração da montanha, de Jan Karon


Será que conseguiria fazer o sermão? conseguiria pregar em sua antiga congregação e levar algo que valesse a pena para o culto? não podia negar a si próprio e nem a Deus – sentia nervoso, desalentado com relação ao assunto1.

         As capas dos livros têm um poder impressionante de chamar atenção dos leitores pois a ilustração utilizada pelos produtores da publicação reflete, nas maiorias das vezes, a essência da obra para quem o visualiza. Não vou negar que essa foi a razão que me fez adquirir no LivraLivro (um site de trocas de publicações) o romance “No coração da montanha” da escritora americana Jan Karon.

            Foi gratificante perceber as agruras vividas pelo clérigo anglicano Tim Kavanagh após a sua aposentadoria, bem como o prazer da produção de livros infantis pela sua esposa Cynthia que a fez perambular pelo mundo divulgando seu trabalho, enquanto o marido estava mergulhado numa luta semelhante a de “Jacó com o anjo”.

            A história transcorre na cidade de Mitford e as cenas nos levam para diferentes lugares: restaurante, livraria, igreja, barbearia, fazenda, hospital e principalmente a residência do pastor Tim. Na verdade, agora que concluí a leitura penso que a autora escreveu revestida de um estilo literário que agrega a vida dos personagens com as boas novas de Jesus Cristo.

            O reverendo Tim já aposentado de suas atividades na Igreja e sofrendo com a diabetes, sofre um acidente que muda totalmente a sua vida e ao invés de cumprir uma promessa que havia feito de trabalhar num lugar carente, passa por uma caminhada difícil decorrente das consequências do episódio que quase acaba com a morte por atropelamento de um colega batista.

            Embora os trechos mudam de uma cena para outra seja relâmpago, foi possível sentir a apreensão do tio do clérigo em tentar decorar alguma piada para alegrar seu sobrinho, e até a mudança de vida de um ex-presidiário que retorna à penitenciaria para pregar aos que lá estão.

            O livro veio também com uma cartinha enviada pela leitora que aceitou meu pedido de troca e trazia a seguinte mensagem:
“Gustavo
boa leitura
abraço
V...

            Encerrada a leitura posso dizer que valeu à pena, pois a obra me trouxe uma vertente literária nova e prazerosa conectada com a caminhada evangélica e ao mesmo tempo encorajadora. E como o livro faz parte de uma série, espero em breve ler os demais volumes.

Sobre a autora

             
 
Nascida Janice Meredith Wilson em 1937, Jan Karon foi criada em uma fazenda
perto de Lenoir, Carolina do Norte. Jan sabia muito cedo que queria ser escritora. 
Ela escreveu seu primeiro romance quando tinha 10 anos de idade, no mesmo ano
 em que ganhou um concurso de contos  organizado pela escola local 2.
 
Leia mais sobre a autora em sua página.

Referências

1 Karon, Jan. No coração da montanha. Tradução de Ivani Shewchenko. São Paulo: Landscape, 2007. (Série Mitford). P. 223.
2 Sobre Jan. Disponível em: http://www.mitfordbooks.com/?page_id=91. Acesso em: 16.abr.2019

sábado, 26 de agosto de 2017

Tolkien: uma biografia, de Michael White

Assim, do estudo de línguas antigas, Tolkien começou a apreciar o conceito de mito, de sua função como um documento da cultura. Ao compreender isso, pôde então iniciar a elaboração de sua própria mitologia para descrever uma cultura ficcional, de fato todo um universo ficcional, cujas raízes se encontram nas línguas dos povos do seu reino de fantasia. Para ele, a língua, e em particular a língua dos elfos, oferece a semente da qual se originou o épico.1

Confesso que até bem pouco tempo não tinha ouvido falar do professor de Oxford, John Ronald Reuel Tolkien (1892-1973), o célebre autor de O senhor dos anéis e O Hobbit em evidência hoje também no cinema.

         Tolkien na sua infância passou por momentos de grande tribulação, vindo a "assistir" prematuramente a morte do pai e da mãe e tendo que perambular em diversos lares na adolescência junto com seu irmão. É neste clima de incertezas e falta de esperança que a Igreja Católica surge em sua vida, e o padre Francis lhe orienta por um bom período até seu casamento.

         O ingresso como estudante em Oxford, a paixão turbulenta por Edith (que só veio a acalmar-se já no final de suas vidas), a participação na Grande Guerra, a perda dos seus amigos nas trincheiras francesas e as correções quase sem fim de provas dos alunos foi a atmosfera que levou Tolkien a gestar suas duas grandes obras.

         O livro percorre os caminhos conflituosos do autor inglês que em meio a Segunda Guerra Mundial precisou produzir para atender aos anseio dos seus editores, mas que graças a uma personalidade perfeccionista não atendeu aos expectativas das editoras, pois precisava rever cada termo, cada palavra tão presente em seu mundo e em seus pesadelos.

         Acima de tudo, já no fim da batalha, Tolkien percebeu que deveria fazer concessões para ter sua obra publicada, assim os acertos financeiros foram relegados a segundo plano, mas as edições fracionadas de O senhor dos anéis foi um sucesso na Inglaterra, nos Estados Unidos e em inúmeros outros países.

        
Penso que Tolkien viveu com inúmeros pesadelos e conseguiu inserir nas suas histórias estes dilemas, que ainda não li nenhum dos dois supracitados – e o filme até agora me causou repulsas -  todas as agruras de sua vida, bem como sua religiosidade (que parece um misto de códigos) e no final da sua vida na academia rodeado de livros e amigos, assim pôde respirar suavemente.

         O esforço de Michael White em “Tolkien uma biografia” é o de retratar ainda que panoramicamente as diferentes etapas de vida do consagrado autor na busca por dar materialidade aos seus personagens, e o mundo hoje é presenteado com as histórias infantis do velho professor inglês.
        
Referência:

WHITE, Michael. Tolkien: uma biografia. Rio de Janeiro: IMAGO Editora, 2002. p. 91.

Apresento-lhes a baronesa, de Héber Salvador de Lima

“ A baronesa continuou lá de pé, sempre com o sorriso nos lábios e quando, afinal, Carlos conseguiu controlar-se, ela avançou para ele com a mão direita estendida:

- Eu sou Catarina de Hueck Doherty, também conhecida como “a Baronesa”. Você de ser um dos nosso visitantes. Bem vindo e... Feliz Natal!”1

           
Quem poderia imaginar que uma jovem baronesa russa pudesse florescer no seio da Igreja Católica uma casa no Canadá que acolhesse a jovens de diversas origens em busca de paz e silêncio ?!

            O jesuíta Héber Salvador de Lima na obra “Apresento-lhes a baronesa” ofereceu ao público leitor brasileiro em 1985 breves notas bibliográficas sobre a vida de Catarina de Hueck Doherty (1896-1985), fundadora do Apostolado Leigo Madonna House.

            Mas quem é esta baronesa que dá tudo aos pobres ?

            O jornalista brasileiro J. C. Ismael nos conta que “Catarina de Hueck nascera na União Soviética e, durante a revolução de outubro, vira metade de sua família ser dizimada. Conseguira fugir para os Estados Unidos e, em Nova York, obtém um emprego numa lavanderia, onde permanece por pouco tempo”.2

            Através das inúmeras observações realizadas durante um período de visita a Madonna House, em Combermere – Ontario, o autor pôde dialogar com diversos membros do Apostolado e vivenciar a forma de ser daquela novidade na Igreja: trabalho e oração.
A baronesa

            Aos poucos os leitores vão descobrindo todo um contexto de entrega da baronesa ao seu amor maior, Jesus Cristo, e da forma como contempla Deus na figura do próximo; e está é tônica das casas da comunidade hoje espalhadas por diversos países, e que até alguns anos existia em Parnamirim-RN, onde tive a oportunidade de conhecer alguns bons amigos membros.

            O livro é um convite ao leitor a mergulhar na atmosfera cristã e mariana presente na baronesa e seus filhos espirituais na certeza que através da vida sustentada na simplicidade cotidiana é possível alcançar a plenitude da graça. Seu amor a Maria é traduzido em frases onde a baronesa confessa que “Maria é minha vida. Eu espero nunca ter outra, pois minha vida passou junto aos finamente trabalhos postes do portão Dela”3.

        



Referências

1 LIMA, Héber Salvado de. Apresento-lhes a baranesa. São Paulo: Edições Paulina, 1985. p.116.
2 ISMAEL, José Carlos. Thomas Merton: O apóstolo da compaixão. São Paulo: T. A. Queiroz Editor, 1984. p. 43.
3 MADONNA HOUSE. A estória de Nossa Senhora de Combermere. Ontário: Madonna House Publications, sem data. p. 5.