“ No mês seguinte, o rei expressou
a própria reação à crescente admiração por suas habilidades de orador na
resposta a uma carta de congratulações do velho amigo Sir Louis Greig. “Foi uma
mudança em relação aos velhos tempo em que falar, eu sentia, era o “inferno”,
escreveu ele”.1
A
monarquia britânica ainda arrebata o coração e a mente de súditos da Rainha
Elizabeth II pelo mundo a fora, todavia a ordem natural da sucessão ao trono
não deveria conceder esse tão alto privilégio a primogênita do Rei Jorge VI (1895-1952),
pois ele era o segundo filho da família. Mas, com a morte do Rei Jorge V
(1865-1936) tornou-se chefe da Casa de Windsor o primogênito, Eduardo VII
(1894-1972) que exerceu seu papel de monarca por poucos meses.
Lionel Logue |
A
paixão que levou o Rei Eduardo VII a abdicar ao trono tinha um nome, Wallis
Simpson (1896-1996), e a tormenta que preenchia a vida do segundo na linha
sucessória era facilmente identificada por todos os súditos: a gagueira. É
neste momento que entra em cena uma figura que veio a amenizar o sofrimento do
Rei Jorge VI e trazer certa estabilidade aos inúmeros discursos que iria proferir
o australiano Lionel Logue (1880-1953).
Logue
era um especialista que dedicava-se ao tratamento da voz, o que hoje ficou
convencionado na ciência como fonoaudiologia, e logo ao deixar ao Austrália e
fixar residência na Inglaterra passou a cuidar do seu paciente mais proeminente,
o pai da atual rainha. No livro escrito pelo cineasta Mark Logue, (seu neto)
junto ao jornalista Peter Conradi é surpreendente os relatos de gratidão
despertados logo após os discursos do Rei pela sua mãe, a Rainha Maria de Teck
(1867-1953) e pela sua esposa, a Rainha Isabel de Bowes-Lyon (1900-2002).
A
gagueira do futuro Rei da Inglaterra é apontada por Trifanovas:
Durante as sessões em
que são trabalhados o relaxamento muscular e o controle respiratório, a gagueira
do príncipe Albert traz muito mais do que
uma mera dificuldade de fala. Há todo o lado psicológico, e até mesmo
social, por trás dela, desde o modo de criação na infância, considerado corriqueiro
para a educação
formal entre os
nobres da época
– a severidade do
pai, a repressão por ser canhoto, o doloroso
tratamento de seu joelho, a crueldade de uma babá que preferia seu irmão mais
velho e a morte de seu irmão mais novo, príncipe John –, até o peso carregado
pela posição que ocupa. Ademais, George
conhece bem os
deveres e o
ônus do ofício
de ser rei
e não se considera
apto para a função em virtude de sua gagueira.3
Simões
ao ler a obra também sentiu a importância da família na superação das
dificuldades do Rei Jorge VI: “Várias vezes é
descrito no livro o hábito que Elizabeth, a Rainha Mãe, tinha de segurar a mão
do marido quando esse se sentia nervoso ao falar em público. Era sua maneira de
apoiá-lo e tranquilizá-lo!”2
Mark Logue |
Numa
época em que não havia e-mail, watsapp ou outros meios mais céleres de
correspondência, Lionel Logue correspondia-se com o Rei Jorge VI por cartas, e
a cada aniversário lhe enviava um livro de presente. Com certeza as inúmeras
cartas arquivadas pela família Logue foi fonte de pesquisa decisiva na constituição
do livro e do filme sobre esta epopeia britânica.
A
família Windsor foi sempre grata ao Sr. Logue pelos seus trabalhos convidando-os
sempre para as cerimônias mais importantes no palácio, mas acima de tudo
externando a importância do australiano que tornou menos pesado o fardo do Rei
Jorge VI. A ética profissional foi outra variável importante na relação
paciente e profissional não só pelo status social do monarca, mas pelo alto
grau de harmonia que havia entre os dois.
Notas
1
LOGUE, M.; CONRADI, P. O discurso do rei:
como um homem salvou a monarquia britânica. Tradução de Sônia de Souza e Celina
Portocarrero. Rio de Janeiro: José Olímpio Editora, 2011. p. 183.
2 SIMÕES, A.
[livros
na telona] o discurso do rei – Mark Logue & Peter Conradi. Disponível
em: https://www.minhavidaliteraria.com.br/2011/08/17/livros-na-telona-o-discurso-do-rei-mark-logue-peter-conradi/.
Acesso em 20.abr.2019
3 TRIFANOVAS, T.R. O discurso do rei: tradução e
poder. TradTerm, São Paulo, v.19,
novembro/2012, p. 265-288. P. 270.